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Nenhum problema social é mais universal do que a opressão da criança. Para não errar nenhuma palavra desta frase, olho para cima, onde a citação de Montessori está pendurada, em minha lousa de estudo. Ela fica lá, para me lembrar todos os dias: hoje, você vai encontrar crianças, e hoje você vai encontrar adultos que ainda não pararam para pensar nas crianças. Liberte-as, permita que se libertem.

Nós, Montessorianos, vivemos em uma posição privilegiada e de grande responsabilidade:

por um lado, temos um conhecimento raro, compartilhado por poucos, que nos permite entender a vida, a civilização, a história e o ser humano de uma forma especial, que beira ou transborda o encanto e a magia.

Por outro lado, está em nossas mãos e em nossas vozes fazer o século da criança. Montessori acreditou que o século da criança seria o XX. Mas não foi. O XX foi o século da Guerra. Está mesmo em nossas mãos cuidar para que este século termine com a libertação das crianças. Felizmente, isso parece provável.

Hoje, mais do que em qualquer momento da história, percebemos as diversas formas de opressão: a mulher, o negro, o pobre, o portador de deficiências ou necessidades especiais, todos estão sendo mais e mais notados, melhor e melhor vistos por si e pelos seus outros.

As lutas sociais ganham cada vez mais corpo e a compaixão ganha cada vez mais espaço no mundo, como valor pessoal, filosófico e político. Nosso tempo é um tempo de sorte para quem luta pela paz – segundo Montessori, é isso que fazemos.

É claro que nosso papel, portanto, é o absurdo. Nosso papel é o extremo e o inaceitável. Montessori disse que todo o seu método começou com uma heresia. Em retrospecto, podemos contar várias: crianças com Necessidades Educacionais Especiais podiam aprender; crianças podiam aprender sozinhas; crianças podiam ser respeitadas; crianças podiam ser deixadas em liberdade; a ajuda que pensamos dar é em verdade obstáculo ao desenvolvimento; o adulto é um tirano.

Não podemos, hoje, ter medo das heresias de Montessori.

Elas são urgentes como eram em 1907. E hoje, especialmente nas partes do mundo mais ligadas às lutas sociais, essas heresias, com algum esforço, podem encontrar espaço para crescer, florescer e frutificar. Assim, é uma série de heresias que quero propor aqui, listando maneiras por meio das quais oprimimos crianças. Como qualquer lista, ela será incompleta, e como qualquer lista, será mais absoluta, talvez, do que devesse.

Assim mesmo, desejo a propor.

Em nossa luta para libertar a criança do adulto precisamos pensar e repensar coisas, atitudes. Com a humildade (Montessori disse a humilhação mesmo) de aceitarmos quando estamos errados, e quando aquilo que nos parecia natural, até mesmo necessário, se mostra potencialmente errado, potencialmente desrespeitoso e opressor.

Então, à lista. Ela será pequena, mas eu sei que nos comentários ela poderá ficar muito maior, com a contribuição de todos vocês.

1. Nós tocamos crianças sem o convite delas.

Isso nos é vetado pelo primeiro princípio para educadores montessorianos, listado pela própria Maria Montessori. Mas nem sempre é um princípio que respeitamos, e nós tocamos crianças na escola, na rua, nas casas de outras pessoas sem que elas nos convidem de nenhuma forma.

Isso reforça a crença de que o corpo de um ser humano pertence a quem quiser tocá-lo. Nós sabemos as trágicas consequências desse tipo de crença.

2. Nós proibimos crianças de desempenharem ações perfeitamente razoáveis.

O motivo pelo qual fazemos isso geralmente é que estamos cansados ou que tememos que elas façam um estrago quando tentarem fazer o que querem. Nosso medo da incompetência alheia não deveria inibir o trabalho das crianças.

Novamente aqui, sabemos que a desconfiança sobre a competência de alguém que é diferente de mim só porque esse alguém é diferente de mim pode ter consequências muito ruins.

3. Nós rimos das contribuições sérias das crianças.

Sob o pretexto da fofura, nós gargalhamos frente à argumentação infantil séria. Qualquer adjetivo é cultural (o que não quer dizer que suas consequências sejam todas ruins ou que as consequências da crença não sejam neurológicas): achar crianças fofas, engraçadinhas, divertidas ou incríveis é cultural.

Nós podemos achar qualquer coisa. Mas não podemos rir diante de uma criança que, seriamente, busca conversar conosco ou contribuir para uma discussão.

4. Nós falamos com as crianças de formas que jamais falaríamos com adultos.

Damos ordens a nosso bel prazer, chamamos as crianças por adjetivos diversos, gritamos, perdemos a calma com rapidez, somos estúpidos, humilhamos e ofendemos. De acordo com os últimos capítulos de Mente Absorvente, as notas escolares entrariam no grupo das humilhações.

Nós não falaríamos com adultos assim (eu espero que não) e não podemos falar com crianças assim. Esse item também vai contra o décimo princípio de Montessori.

5. Nós não consideramos crianças como seres humanos normais.

Não existem (ainda bem!!!) programas de televisão sobre técnicas opressivas para fazer adultos comerem pratos com cinco ingredientes, sem ver TV, até o final. Existem dicas, conselhos, e eles têm como foco a saúde, simplesmente, não o ser inteiro.

Programas de TV sobre alimentação e disciplina infantil diminuem a criança a um animal de estimação e fazem com seres humanos o que Dr. Pet faz com cães.

6. Nós rimos das dores das crianças e as minimizamos.

Rir das falhas das crianças é rir das falhas de um ser humano que se esforça e não consegue. É rir de alguém que dá o máximo de si e erra. É rir de alguém que aposta tudo o que tem e perde.

Dizer que não foi nada quando uma criança se machucou, se chateou ou foi ofendida é dizer que não foi nada para um ser humano que sofre, que sofreu abusos, opressões, perdas. A compaixão pede de nós que superemos a tentativa de nos livrarmos rapidamente do problema e, aceitando que foi alguma coisa lidemos com ele.

7. Nós fazemos piadas sobre crianças entre adultos e usamos adjetivos ligados à infância como ofensa.

Memes, figuras, frases, tweets e posts sobre crianças que tenham como objetivo sua ridicularização são erros graves. É diferente de rir de uma situação, como rimos de situações entre adultos. A distinção é assim: se a piada diminui a criança pelo fato de ela ser criança, está errado e é opressão.

Também está errado usar “infantil”, “criancice”, “criança”, “bebezão” e outros termos ligados à infância como termos pejorativos para humilhar adultos.

Eu não planejei quantas formas de opressão colocaria na lista. Há muitas mais do que aparecem aí. Eu escrevi quantas couberam em uma página A4 com letra e espaçamento padrão. Quando descubro uma nova forma de opressão contra a criança, fico envergonhado e pensativo. Confuso também seria um termo adequado.

É minha esperança que todos fiquemos um pouco assim, e essa pequena lista nos faça (re)pensar. Nós não precisamos concluir. Alguém disse que a revolução não é um evento de um dia só. Mas nós não podemos parar de lutar.

Disse Montessori: continuamos porque precisamos, porque é assim que é e é assim que deve ser. Continuemos.
Fonte: http://www.metodomontessori.com.br

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